09/07/2009

Maioria absoluta?

Na tag Ai os media tenho revelado artigos jornalísticos, nomeadamente com origem na Lusa, que aceitam press releases sobre divulgação de "estudos", frequentemente apresentados como de cariz científico, cujas conclusões são mal fundamentadas em números ou estatísticas. Aos interessados, sugiro a leitura de posts onde declaro como falsos os seguintes títulos:
Três em cada quatro portugueses estão ligados à net
Portugal tem taxas de acesso à Internet superiores à média da União Europeia

Hoje apresento uma situação diferente, mas com génese na mesma facilidade com que a Lusa reencaminha as conclusões dos "estudos" promovidos por qualquer organização. Que falta faz um Gary Langer :)
O Público faz o título Maioria dos juízes não confia no programa informático CITIUS, explicitando depois que «Um estudo da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) sobre a utilização do CITIUS revela que 60 por cento dos juízes não confia na fiabilidade e segurança do programa» e que «O inquérito, de resposta anónima, foi enviado aos juízes em Maio e Junho, tendo sido consideradas 132 respostas, que representam 13,3 por cento do universo dos magistrados que neste momento trabalham obrigatoriamente com o CITIUS».

O título do Público é válido se se verificarem algumas condições. Se foi seleccionada uma amostra aleatória de 132 juízes do universo de 993 utilizadores do CITIUS. Se os 60% se reportam a uma base de 132. Nesse caso, podemos calcular o intervalo de confiança do estimador da resposta. Tendo em conta a taxa de sondagem (relevante neste caso, porque o universo é um pequeno domínio), para o típico nível de confiança de 95%, a margem de erro seria aprox. 8%, pelo que poderíamos dizer que a percentagem de juízes que "não confiam" se situa entre 52% e 68%.

E se aquelas condições não se verificarem? A minha resposta varia de acordo com a situação. Se o inquérito "foi enviado" aos 993 utilizadores e só responderam 132, o melhor é mandar o "estudo" para a reciclagem. Se "foi enviado" a uma amostra aleatória de n > 132, depende do rácio n/132. Se este valor for grande, seria necessário admitir que a "verdadeira" resposta não difere entre os que responderam e os que não responderam, o que é um pressuposto um bocado violento!

Finalmente, seria necessário ver como foi formulada a questão. O texto diz «não confia na fiabilidade e segurança», ou seja, apresenta a mesma resposta para dois conceitos diferentes. Se houve apenas uma pergunta para ambos os conceitos, é um mau indício.

Gary Langer não daria luz verde à publicação da notícia sem conhecer o questionário e as tabulações absolutas. Eu penso que um bom jornalista não faria aquele título sem se assegurar da qualidade do "estudo". O i optou por uma versão mais 'garantista': Estudo indica que maioria dos juízes não confia no programa informático CITIUS. Melhor teria sido incluir a referência ao promotor do estudo, colocando «da ASJP» entre "Estudo" e "indica", julgo eu, que não sou jornalista.

Sem comentários:

Enviar um comentário