28/01/2011

A Alçada do Estado

Devido à actualidade do assunto, decidi recuperar aqui uma história que publiquei há um ano no Beijós XXI. Antes, porém, vejamos uma citação de uma famosa entrevista a Rui Ramos:
«(...) tínhamos [no séc. XIX] na Igreja uma instituição que podia ter sido fundamental para a alfabetização da população e preferimos chamar tudo para a alçada do Estado, que não tinha recursos e, portanto, falhou».

Agora recordemos o que se passou em Beijós:
Diz-se que a meados da década de 1830 o Pe. Luiz Coelho Machado ensinava «grammatica portugueza e latina, o ensino primario, logica, e filosophia racional e moral, ao que tudo se prestava de graça porque seguia a regra - gratis accepistis, gratis date.» No entanto, o referido padre, que ficou do lado de Alexandre Lobo no cisma, foi perseguido e a mocidade ficou «sem meio de educação litteraria, ou religiosa, por que os homens do dia são mais zelosos na colheita do subsidio litterario do que em proporcionarem aos povos meios de instrução».
Em 1839 o Estado abriu concurso para uma escola oficial. Como os padres não podiam ensinar, encarregou-se um semi-analfabeto do mister. Como demonstrei aqui, o professor que ficou com a cadeira do ensino primário em Beijós, por largos anos, só teve avaliação positiva numa matéria - Doutrina Christã! Era medíocre na leitura, na escrita, na gramática... eu vi as provas na Torre do Tombo e fiquei deveras impressionado - nota-se a mesma dificuldade em desenhar letras e algarismos que se podia encontrar nos programas de alfabetização de adultos do pós-25 de Abril.

A "tal" sondagem

Volto à sondagem que tanta polémica provocou na semana passada, para apresentar os resultados brutos e desmentir definitivamente os que alegavam que a amostra seria de 100 (versão do email divulgado neste post) ou 218 (versão Daniel Oliveira). Já se sabia que a amostra era de 802, ficando agora (i.e. desde a divulgação do depósito na ERC) a saber-se que 520 responderam à pergunta abaixo reproduzida, dos quais 498 escolheram um dos candidatos.
A sondagem nada tem de "miraculoso", sendo certo que há uma nítida subrepresentação do candidato do PCP, tal como em eleições anteriores o CDS foi subrepresentado por todas as empresas.
Se neste momento houvesse eleições para a PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, em que candidato votaria?
A Marktest faz uma ventilação de resultados por quatro variáveis. Uma delas é a intenção de voto se houvesse eleições legislativas, a qual nos dá uma informação bastante útil para quem se admirou com o mau desempenho de Alegre. Dos 89 inquiridos que responderam PS e, simultaneamente, escolheram um dos candidatos à PR, 35 (39%) responderam Cavaco Silva à pergunta acima referida. Mesmo atendendo à elevada margem de erro desta estimativa, não deixa de ser um resultado bastante significativo.

24/01/2011

O que separa o PS do BE

É Defensor de Moura!

Paulo Pedroso: «Foi um dos agentes que mais contribuiram para que a campanha fosse feia e baixa. Talvez tenha sido o maior credibilizador de José Manuel Coelho

Daniel Oliveira: «Fez uma das melhores campanhas destas presidenciais. Os votos que teve, quando comparados com os de Coelho, são a demonstração de que não é por falta de seriedade que candidatos têm maus resultados

Sondagens Vs Votação

Os resultados das sondagens e da votação no Continente, publicados por Pedro Magalhães, podem ser resumidos num gráfico do género do que abaixo publico (os interessados em saber como se produzem e interpretam estes gráficos podem consultar este link).
O resultado mais saliente desta análise, representado no eixo horizontal, é a separação da sondagem da Marktest relativamente a todas as outras, separação essa que se traduz na reduzida intenção de voto que atribuía ao conjunto das três candidaturas de esquerda - Alegre, Lopes e Moura.
No eixo vertical, o que se destaca é o próprio resultado eleitoral, que se afasta da generalidade das sondagens devido à "sobreavaliação" que estas fizeram dos candidatos principais, representados na parte superior do gráfico.

A candidatura de Alegre e, sobretudo, a de Lopes, têm razões de "queixa" da Marktest. Não podem é baseá-las em realidades imaginárias, como o recorrente caso dos estratos regionais utilizados pela empresa, ou uma incorrecta leitura das fichas técnicas. Talvez se possa questionar a utilização de uma base de sondagem de telefones fixos; talvez o método de "tratamento" de brancos e nulos... não sei, mas começar por ler este post poderá ajudar :)

21/01/2011

Talvez com um desenho

Essas almas compreendam definitivamente que estão a dizer um enorme disparate quando escrevem (ou divulgam) que «uma amostra que atribui aos residentes do Interior Norte um peso correspondente a quase ¼ da população do país, quando efectivamente o seu peso é de pouco mais do que 1/10».

O assunto não é novo - em 2009 o jovem Cláudio Carvalho tinha espalhado pela blogosfera a mesma barbaridade. Infelizmente, o Cláudio decidiu apagar o seu passado de "Abrantes", colocando o seu site em "manutenção", mas mantêm-se online dois posts que tentam explicar-lhe o seu erro de raciocínio:
  1. Um neste mesmo blogue
  2. Outro no Margens de Erro, o blogue de referência em Portugal, para estas matérias.
O esforço terá sido em vão, já que o Cláudio parece nunca ter entendido a explicação. No entanto, espero que aqueles que agora andam a espalhar um email dizendo que o barómetro político da Marktest é um «caso de polícia», leiam com atenção o meu post de 2009. Lá poderão verificar que, segundo o INE, residem na região a que a Marktest chama "Interior Norte" mais de 1/5 dos eleitores, e não «pouco mais do que 1/10». E que na região "Sul" não residem 19,6% dos eleitores, mas pouco mais de 11%.

Nota para quem tem dificuldades em Geografia: Leiam a definição das regiões Marktest, onde poderão verificar que os concelhos de Barreiro, Moita, Montijo, Seixal, Sesimbra e Setúbal não pertencem ao Sul, nem à Grande Lisboa.

P.S. Estou espantado - até um site que se diz de Manuel Alegre espalha esta "notícia"!

19/01/2011

Índice dum Raio

O Raio considera que o índice despesa pública por habitante é a «forma lógica de ver se o Estado gasta muito ou pouco». Quando lhe disse que seria mais adequado comparar a despesa pública com o PIB, afirmou que isso é «enganador». Logo, depreendo que todas as organizações internacionais que insistem em índices que dividem despesa pública pelo PIB nos querem enganar. Já sei, muitas delas são governadas pelos neoliberais que querem o Estado fora da economia, mas... por que Raio até organizações insuspeitas como o UNDP dividem qualquer tipo de despesa pública (e.g. em I&D, em educação, com as forças armadas...) pelo PIB?

Um índice, mesmo que seja um simples rácio, tem a vantagem de esquematizar a informação, salientar alguns aspectos relevantes e facilitar a comparação de casos. O incoveniente é que, ao reduzir a informação, podemos perder a percepção de alguns efeitos de interacção interessantes. Então, na base da decisão de usar o PIB como denominador, haverá alguma razão mais «lógica» do que a lógica de utilizar a população? Ou é tudo uma "cabala"?
O rácio despesa/PIB "anula" o efeito de dimensão de uma economia, enquanto o rácio despesa per capita "anula" o efeito de dimensão populacional. Faz mais sentido usar um denominador económico do que demográfico, já que é óbvio que uma população "rica" poderá sempre "gastar" mais do que uma população "pobre". Uma economia não pode consumir (sempre) mais do que produz, a não ser que os vizinhos estejam dispostos a financiar infinitamente esse padrão de consumo.
Não contando estas transferências entre vizinhos, a despesa total é igual ao produto. Logo, o rácio despesa pública / PIB é uma forma bastante imediata de comparar o peso do Estado na economia, por exemplo, entre dois países. Dito de outra forma: o produto de uma economia é "gasto" em três rubricas contabilísticas: o consumo das famílias; o consumo do Estado; a acumulação de capital. No entanto, uma parte do consumo das famílias é "sustentada" por transferências do Estado, p. ex. para remunerar os pensionistas por trabalho que eles prestaram anos antes (ou por capital que eles emprestaram à segurança social, é indiferente). Deste modo, para ter uma noção mais aproximada do peso do Estado, o numerador do rácio não conta apenas o consumo final do Estado, mas toda a despesa pública.

Agora com números:
No caso português, em 2009 o consumo final do Estado foi cerca de 36 mil milhões de euros (21% do PIB) e a despesa pública total foi cerca de 81 mil milhões (48,2% do PIB). Estes valores são próximos da média da UE27, respectivamente, 22,5% e 50,8%. Fazendo uma análise evolutiva, constata-se que, na última década, os índices de despesa pública se aproximaram, nalgumas rubricas muito rapidamente, da média europeia. Isto não nos diz se um Estado é mais ou menos "despesista", apenas nos informa sobre o peso do Estado, já que algumas economias confiam mais funções e mais impostos ao Estado, outras menos.

Mas a análise evolutiva diz-nos mais do que isto. Diz-nos que, apesar do consumo final do Estado português ainda ser inferior à média, cresceu mais rapidamente do que o produto, ou seja, a poupança pública bruta degradou-se acentuadamente e atingiu em 2009 o valor negativo de 11 mil milhões (-6,5% do PIB). Ao contrário do que se passa na UE27, esta é a grande fatia das necessidades de financiamento público (16 mil milhões, ou -9,4% do PIB), o que só é possível com o baixo valor da formação de capital público (4 mil milhões), já que o Estado optou por desviar das contas da despesa pública os tais grandes investimentos que fizeram "Avançar Portugal" e que estão aí para alguém pagar nas próximas décadas.

14/01/2011

Consumidores vulneráveis

Segundo as estimativas da ERSE (aqui, em PDF), os consumidores de electricidade que estão em condições de beneficiar da Tarifa Social de Electricidade pagaram em 2010, em média, 0,166€ por cada kWh consumido. Os consumidores domésticos não abrangidos por esta "benesse", pagaram, em média, 0,163€ por cada kWh consumido.
Admitindo que o consumo se mantém em 2011, a aplicação da tarifa social permitirá aos clientes "vulneráveis" pagar, em média, 0,168€ por kWh, enquanto os restantes pagarão 0,169€. O procedimento para conseguir o desconto de 60 cêntimos por mês é tão Complicadex que, com certeza, a maioria dos clientes "vulneráveis" não irá obter o benefício a que teria direito. Os que o conseguirem, irão, em média, pagar a electricidade consumida ao mesmo preço dos clientes "normais".
Vamos lá explicar. O que se passa é que, devido ao mecanismo de formação de preços, o custo real, para o consumidor final, de cada kWh, é mais elevado para os mais "vulneráveis", ou seja, para os que consomem menos. Logo, a aplicação desta tarifa social, em 2011, o mais que consegue é, à custa de muita burocracia, equivaler os preços médios pagos pelos consumidores "vulneráveis" aos preços médios pagos por todo o mercado. No entanto, a ERSE estima que o consumo médio dos "vulneráveis" seja na ordem dos 1500 kWh anuais. Ora, o consumo médio na maioria das áreas rurais é bastante inferior a esse valor. O que significa que os consumidores "vulneráveis" que habitam essas regiões, nomeadamente os pensionistas, terão consumos bem abaixo dos 1000 kWh anuais e continuarão a pagar, por cada kWh realmente consumido, um preço médio bastante superior aos não vulneráveis!
Aliás, como explica a DECO, os consumidores realmente vulneráveis, aqueles que beneficiavam da antiga tarifa social, irão ver a sua factura aumentar significativamente!!!

13/01/2011

Insulto à inteligência

Como muito bem aqui explica Luis Aguiar-Conraria, esta treta de considerar positivo «o facto de a procura ter excedido 2,88 vezes a oferta» é um verdadeiro atentado à nossa integridade intelectual. Tratando-se de um leilão, é evidente que havia mais interessados em comprar, mas só o fariam a um preço inferior, i.e. a uma taxa de juro superior. Se a preocupação do Estado fosse que a procura "excedesse" ainda mais a oferta, bastaria dar uma ordem para só aceitar "vender" a uma taxa de juro inferior, o que provocaria mais ordens de compra por satisfazer, i.e, segundo as notícias, mais "procura", e menos ordens satisfeitas, i.e. menor "oferta".

Leitura obrigatória: Dívida pública para tótós

11/01/2011

À bruta

Está tudo explicado aqui:

«É mais fácil se tivermos um apoio externo, desde logo porque isso permite que o ajustamento não seja tão abrupto, mas feito sozinho, para os mercados acreditarem nele, teria que ser brutal»

08/01/2011

Risco de clientelismo do Estado local

Em Banco Corrido.: Juntos contra o neocaritativismo? O ladrão de bicicletas Alexandre Abreu e eu estamos menos longe um do outro do que parece: Paulo Pedroso enuncia o "risco de clientelismo do Estado local" a propósito da agora muito falada descentralização de certas funções na área da política social.

É evidente que esse risco tende a aumentar, mas é preciso andar distraído para não o ter notado por aí. Mais recentemente com a arregimentação de votos dos beneficiários do RSI, mas há bastante tempo com a partidarização das IPSS...

06/01/2011

Lemingues

O suplemento Ecosfera publicou um artigo Reuters, mas resolveu omitir a parte mais interessante, i.e. aquela que realmente acrescenta algo ao meu conhecimento - contra tudo aquilo que eu pensava serem evidências, afinal, vem um sábio norueguês explicar que as mortes em massa de lemingues se devem à falta de alimento!!! E que o alimento é mais escasso no Inverno. Somando 2+2, lá vem a colherada: nunca fiando, «modernas ameaças, como a poluição ou o arrefecimento global as alterações climáticas, podem agravar os factores de stress sobre a vida selvagem».

Sossegados podem ficar "Os Melros", pois alimento é coisa que não lhes falta. A gripe das aves também está descartada, pelo que só têm de voar baixinho para não esbarrarem com algum aerogerador. A não ser que esta hipótese mirabolante seja a correcta: «Among the theories was that a truck had collided with the flock».

Actualização 7-1: «Apesar de as causas ainda estarem a ser investigadas, as temperaturas anormalmente baixas poderão ser a explicação para a maioria dos casos». Aguarda-se uma cimeira para o combate ao arrefecimento global.

03/01/2011

Bigodes

Barba & bigode é o post mais lido de sempre neste blogue, graças a um tal bigodinho da Cléo Pires. Se você é mais um visitante que chega aqui procurando por esse bigodinho, aproveite e veja um verdadeiro bigode beijosense!

Bigodes, originally uploaded by Beijokense.