Hoje resolvi escrever sobre a abissal diferença de resultados entre duas sondagens publicadas esta semana. Se a indústria não souber esclarecer a opinião pública e, particularmente, a opinião publicada sobre esta diferença, então é fácil concluir que é muito curta a distância entre o banco dos réus e o cadafalso.
Falo da diferença relativa à avaliação daquilo que os órgãos de comunicação social costumam designar "popularidade" dos líderes políticos. Há uma pergunta sobre a actuação, neste caso, do Primeiro Ministro, os inquiridos podem avaliá-la de forma positiva ou negativa e os media costumam calcular a diferença, construindo um índice de popularidade. Eu não vou analisar este índice, mas apenas as respostas "Positiva" e "Negativa", nas sondagens da Marktest (resultados aqui) e da Eurosondagem (resultados aqui).
O quadro seguinte apresenta os resultados. No caso da Marktest são as tabulações reais, no caso da Eurosondagem são imputadas de acordo com os resultados divulgados pelo Expresso. A Marktest utilizou a pergunta «Em sua opinião diria que a actuação do 1º Ministro e actual líder do PS - JOSÉ SÓCRATES, tem sido POSITIVA ou NEGATIVA?». Desconhecemos a pergunta da Eurosondagem, mas vê-se que o Expresso apresenta uma categoria de resposta, "Nem boa, nem má", não prevista no questionário da Marktest. Neste primeiro quadro, esta categoria de resposta foi adicionada aos inquiridos que não manifestaram opinião.
Além da frequência das respostas (linha Count), o quadro apresenta os desvios ajustados, i.e. uma medida de desvio de cada célula relativamente à hipótese segundo a qual os resultados de ambas sondagens são idênticos. Com o habitual intervalo de confiança de 95%, um valor de desvio ajustado superior a +/- 2 indica que o desvio é significativo. É fácil constatar que a opinião dos inquiridos Marktest é incomparavelmente muito mais negativa e que a Eurosondagem apresenta resultados de "indecisos" superiores (o que é natural, dado que acrescentámos a categoria de resposta da imagem nem boa nem má), mas também de imagem positiva consideravelmente superior.
A estatística (qui-quadrado) diz-nos que é 2 triliões de vezes mais provável acertar no Euromilhões do que estas sondagens estarem a medir o mesmo conceito (opinião sobre actuação de Sócrates) na mesma população (eleitores residentes no continente em lares com telefone fixo).
Admitindo que a diferença se pudesse dever ao facto de haver uma categoria adicional de resposta no questionário da Eurosondagem, vamos, por absurdo, transferir todas as respostas "Nem boa, nem má" para a categoria "Negativa" e comparar os resultados, da mesma forma. A Marktest continua a apresentar maior proporção de resposta "Negativa", embora o desvio não seja significativo. Naturalmente, a sobrerrepresentação da resposta "Positiva" na Eurosondagem mantém-se. Os desvios seriam menores neste caso, mas, ainda assim, a probabilidade de se tratar da mesma medida na mesma população é de 1 sobre 6 milhões.
Perante o mesmo problema, as duas sondagens apresentam, pelo menos na divulgação pública, duas respostas antagónicas. Segundo os resultados da Marktest, os eleitores portugueses fazem uma avaliação negativa da actuação de Sócrates. Segundo os resultados da Eurosondagem, há mais portugueses a considerar essa actuação positiva do que negativa. Pelo menos uma das medidas está errada. Atendendo ao que se ouve e se lê por aí, é muito provável que seja a da Eurosondagem.
Nota: não é de excluir que o método de selecção dos inquiridos também possa afectar a medida. A Marktest usa o método de quotas e a Eurosondagem um método supostamente probabilístico. No entanto, o principal factor deve ser a formulação da pergunta e as alternativas de resposta. Infelizmente, não conheço o questionário da Eurosondagem, mas é de louvar a iniciativa da Marktest de ter divulgado o questionário e as tabulações.
Além de Sócrates, também Leite e Portas têm "popularidade" positiva na Eurosondagem e negativa na Marktest. A Eurosondagem deve utilizar uma escala que favorece a inclinação positiva do inquirido.
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