O Raio considera que o índice despesa pública por habitante é a «forma lógica de ver se o Estado gasta muito ou pouco». Quando lhe disse que seria mais adequado comparar a despesa pública com o PIB, afirmou que isso é «enganador». Logo, depreendo que todas as organizações internacionais que insistem em índices que dividem despesa pública pelo PIB nos querem enganar. Já sei, muitas delas são governadas pelos neoliberais que querem o Estado fora da economia, mas... por que Raio até organizações insuspeitas como o UNDP dividem qualquer tipo de despesa pública (e.g. em I&D, em educação, com as forças armadas...) pelo PIB?
Um índice, mesmo que seja um simples rácio, tem a vantagem de esquematizar a informação, salientar alguns aspectos relevantes e facilitar a comparação de casos. O incoveniente é que, ao reduzir a informação, podemos perder a percepção de alguns efeitos de interacção interessantes. Então, na base da decisão de usar o PIB como denominador, haverá alguma razão mais «lógica» do que a lógica de utilizar a população? Ou é tudo uma "cabala"?
O rácio despesa/PIB "anula" o efeito de dimensão de uma economia, enquanto o rácio despesa per capita "anula" o efeito de dimensão populacional. Faz mais sentido usar um denominador económico do que demográfico, já que é óbvio que uma população "rica" poderá sempre "gastar" mais do que uma população "pobre". Uma economia não pode consumir (sempre) mais do que produz, a não ser que os vizinhos estejam dispostos a financiar infinitamente esse padrão de consumo.
Não contando estas transferências entre vizinhos, a despesa total é igual ao produto. Logo, o rácio despesa pública / PIB é uma forma bastante imediata de comparar o peso do Estado na economia, por exemplo, entre dois países. Dito de outra forma: o produto de uma economia é "gasto" em três rubricas contabilísticas: o consumo das famílias; o consumo do Estado; a acumulação de capital. No entanto, uma parte do consumo das famílias é "sustentada" por transferências do Estado, p. ex. para remunerar os pensionistas por trabalho que eles prestaram anos antes (ou por capital que eles emprestaram à segurança social, é indiferente). Deste modo, para ter uma noção mais aproximada do peso do Estado, o numerador do rácio não conta apenas o consumo final do Estado, mas toda a despesa pública.
Agora com números:
No caso português, em 2009 o consumo final do Estado foi cerca de 36 mil milhões de euros (21% do PIB) e a despesa pública total foi cerca de 81 mil milhões (48,2% do PIB). Estes valores são próximos da média da UE27, respectivamente, 22,5% e 50,8%. Fazendo uma análise evolutiva, constata-se que, na última década, os índices de despesa pública se aproximaram, nalgumas rubricas muito rapidamente, da média europeia. Isto não nos diz se um Estado é mais ou menos "despesista", apenas nos informa sobre o peso do Estado, já que algumas economias confiam mais funções e mais impostos ao Estado, outras menos.
Mas a análise evolutiva diz-nos mais do que isto. Diz-nos que, apesar do consumo final do Estado português ainda ser inferior à média, cresceu mais rapidamente do que o produto, ou seja, a poupança pública bruta degradou-se acentuadamente e atingiu em 2009 o valor negativo de 11 mil milhões (-6,5% do PIB). Ao contrário do que se passa na UE27, esta é a grande fatia das necessidades de financiamento público (16 mil milhões, ou -9,4% do PIB), o que só é possível com o baixo valor da formação de capital público (4 mil milhões), já que o Estado optou por desviar das contas da despesa pública os tais grandes investimentos que fizeram "Avançar Portugal" e que estão aí para alguém pagar nas próximas décadas.
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