No ano das comemorações do Centenário da República, postarei algumas sugestões de livros que nos ajudam a compreender melhor a sociedade da época, a natureza do golpe e alguns dos protagonistas.
Começo por um que considero bastante interessante e que, embora tendo por objectivo saber o que «significava ser vítima, quem era ela, o que fazia, porque o fora e como era olhada pelos poderes», também permite ao leitor compreender a importância política dos médicos da época e o modo como o "higienismo" influenciou certas concepções políticas e sociais que ajudaram a configurar a I República.
Vítimas e Violências na Lisboa da I República
de Maria Rita Lino Garnel
Imprensa da Universidade de Coimbra, 20€
Esta leitura contribui ainda para conhecer melhor Miguel Bombarda, um dos principais mentores "da República", triplamente homenageado na toponímia da minha freguesia. Cria o médico que a sua classe profissional era a única que poderia regenerar o povo português, graças à aplicação da ciência biológica. Os republicanos eram nacionalistas (patrióticos, para se distinguirem do Partido Nacionalista) e Miguel Bombarda acreditava que se podia provar cientificamente a especificidade do ser português. Os republicanos eram anti-clericais e Miguel Bombarda acreditava que os padres e, muito particularmente, os jesuítas, o eram devido à degenerescência dos respectivos cérebros. Os republicanos eram essencialmente machistas e Miguel Bombarda procurou demonstrar que, por natureza, a mulher tem uma construção cerebral defeituosa.
Detentora de todas as provas científicas da justeza das posições políticas republicanas, a medicina «ousava chamar a si não só a cura dos corpos individuais, mas também a tarefa imensa de regenerar Portugal» (p. 169). Ou, nas palavras do próprio Bombarda (cit. p. 244), «já é grande o papel do médico na sua faina de aliviar o sofrimento, de combater a doença. Mas como ele se não amplifica grandiosamente quando o enfermo é a sociedade inteira e a enfermidade é o erro a extirpar, as ilusões a desfazer, a superstição a esmagar...».
Chegados ao poder, estes eminentes alienistas empregaram-se na prova científica da anormalidade patológica da família real e dum conjunto de patologias das dinastias portuguesas. Infelizmente, os "médicos sociais" enganaram-se no prognóstico e no tratamento aplicado à sociedade portuguesa.
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