O Público (edição impressa) publica hoje uma Carta de José António Barreiros, que o autor reproduz aqui «para que fique assim mais substanciada a verdade», que é uma verdade substantivamente maior da que o ministro ABC declarou ao Público. O mesmo já acontecera em 2005, com a mesma reacção de Barreiros, pelo que ABC parece seguir a máxima segundo a qual uma versão menor da verdade muitas vezes repetida... acaba por se tornar a versão... sucinta?
As verdades documentadas são as seguintes:
- o juiz de instrução José Manuel Celeiro participou contra ABC na sequência de uma conversa em que este, então ocupando cargo de Director do Gabinete dos Assuntos de Justiça de Macau, o tentou convencer a mudar a sua posição quanto às medidas de coacção aplicadas a dois arguidos do caso Emaudio;
- o juiz considerou essa conversa como «indevida interferência e pressão na sua função judicial»;
- o Governador Carlos Melancia ordenou um inquérito à actuação de ABC;
- o relatório do Procurador-Geral Adjunto (reproduzido parcialmente abaixo e na íntegra aqui) concluíu que a actuação de ABC não configura o conceito de pressão, mas não deixa de ser imprópria a abordagem a um magistrado sobre matéria objecto da sua função;
- o Secretário Adjunto para a Administração e Justiça exonerou ABC «sob a alegação de que tal comportamento:
1) Afastava de modo grave a confiança pessoal, profissional e politica da tutela;
2) "Afecta o prestígio e a dignidade da Administração"
e que a exoneração era determinada considerando:
3) As responsabilidades do cargo que impõem o seu exercício com total isenção e lealdade."»; - posteriormente, o Governador Carlos Melancia revogou a exoneração proferida por José António Barreiros e, com efeitos a partir da mesma data, exonerou ABC «pela simples conveniência do serviço»;
- ABC recorreu do despacho do Governador e o STA decidiu que o «despacho impugnado nos autos, tendo subjacente apenas a invocação de conveniência de serviço, padece de vício de forma».
Eu não tenho conhecimentos para comentar o caso do ponto de vista jurídico, embora me seja fácil compreender que o STA deu provimento ao recurso «com fundamento em vício de forma, por falta de fundamentação» do despacho de Melancia. Não me parece que se tenha pronunciado sobre a fundamentação do despacho de José António Barreiros.
O que considero bastante interessante, no entanto, são as alíneas i) e j) do relatório do inquérito. Não restam dúvidas de que o Procurador-Geral Adjunto considera a impropriedade da conduta de ABC agravada pela qualidade do cargo que ocupava. Por outro lado, desagravada pelas suas motivações, nomeadamente: «preocupação com a defesa do bom nome de Portugal»; convicção de que o magistrado aceitaria o auxílio»; «valor dos seus conhecimentos e experiência»; «etc.».
Há, portanto, uma ténue fronteira entre a pressão e o auxílio e, segundo o que tem sido noticiado nos media, não faltarão atenuantes como a defesa do bom nome de Portugal e o valor de conhecimentos e experiência para o auxílio que o presidente do Eurojust se terá convencido de que poderia prestar aos magistrados que investigam o caso Freeport.
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