30/05/2012

(Ainda) sobre a difícil convivência entre jornalismo e ciência

Hoje (29/5) deparei-me com um conjunto de artigos de uma amiga no facebook (cf. também o blogue Divas e Contrabaixos), indignada com este alegado “facto”: «Durante oito anos, 500 crianças da Casa Pia foram submetidas, sem saberem, a experiências que “nunca tinham sido feitas sequer em animais”». Noutras notícias, lia-se que as mesmas crianças foram «cobaias de uma universidade dos EUA». Bom, se crianças à guarda duma instituição tutelada pelo Estado Português são cobaias de uma universidade americana para serem submetidas a experiências que nem nos animais foram feitas – isto é preocupante!

Tendo à minha disposição uma imensa quantidade de artigos científicos produzidos nos últimos anos, fiz uma pausa no meu trabalho para procurar publicações sobre esta experiência. Em poucos segundos encontrei algumas e pareceu-me que, para não variar, os jornalistas que suscitaram este alarme social demonstraram alguma dificuldade em compreender as publicações científicas… Deixo aqui algumas evidências[1] que me deixam mais tranquilo quanto ao eventual abuso das crianças casapianas – desta vez, científico!

1.       Foram envolvidos médicos investigadores da Universidade de Lisboa, a qual participou institucionalmente no estudo.

2.       O desenho da experiência consiste na comparação de dois grupos, sujeitos a tratamentos diferentes. No entanto, ambos os tratamentos eram usados regularmente à época (e são-no ainda hoje), pelo que nenhum desses tratamentos pode ser considerado experimental. Ou seja, as crianças foram separadas em dois grupos que receberam conjuntos de materiais diferentes para reparar dentes cariados, mas nenhum deles era desconhecido da prática dentária regular. Não houve nenhum ensaio clínico de substâncias novas de efeitos desconhecidos.

3.       A escolha da Casa Pia foi justificada por estes factores:

a.       Era conhecida a necessidade de tratamento dentário urgente numa elevada proporção de alunos da Casa Pia. A média de cáries nas crianças de 8-10 anos era cerca de sete vezes superior à média americana.

b.      Foi medido o teor de mercúrio na urina e verificou-se que os alunos apresentavam valores bastante baixos. Isto facilitaria as medidas posteriores ao tratamento, já que um dos tratamentos (“chumbo”) contém mercúrio e os efeitos da exposição ao mercúrio nesse tipo de tratamentos eram precisamente o objecto do estudo.

c.       Considerou-se que a ligação dos alunos à instituição era muito favorável para garantir a continuidade de estudos de acompanhamento longitudinais que eram necessários para avaliar os efeitos (durante sete anos).

4.       O estudo foi autorizado pelo organismo governamental americano que regula a prática dentária e pelo equivalente americano da Comissão de Protecção de Dados [não foi publicada informação sobre autorizações de organismos reguladores portugueses]. Foi obtido o consentimento dos pais e dos alunos. O director da Casa Pia deu o consentimento para os alunos internos (20% do total da amostra).

a.       Os autores identificaram esta autorização do director para os 20% de alunos internos como a principal questão ética do estudo: o director poderia ver no estudo uma forma fácil e barata de garantir tratamento dentário a esses alunos. De qualquer modo, argumentaram que o interesse dele não seria superior ao dos pais dos restantes 80%, já que o acesso a tratamento dentário era diminuto para todos. Argumentam ainda que a gratuitidade do tratamento não pode ser encarada como uma forma de “forçar” o consentimento dos pais, uma vez que, se o tratamento não fosse grátis, eles não iriam procurá-lo.

b.      Foi a equipa da Universidade de Lisboa que determinou que o consentimento do director era suficiente para a participação dos alunos internos.



[1] DeRouen et al (2002) Issues in design and analysis of a randomized clinical trial to assess the safety of dental amalgam restorations in children. Controlled Clinical Trials, 23(3), 301-320.

11/05/2012

Sacrifício ao mais alto nível

Este título é deveras preocupante. Quer dizer que a hierarquia sacrifica, mais uma vez, o corpo de Cristo. Abdicando também dos Santos, só lhe resta a virgindade de Maria.