Começa a crónica de António Barreto, no passado Domingo: «A meia dúzia de lavradores que comercializam directamente os seus produtos e que sobreviveram aos centros comerciais ou às grandes superfícies vai agora ser eliminada sumariamente». Mais abaixo: «A solução final vem aí. (...) Estes exércitos de exterminação são poderosíssimos». Passe a figura de estilo, é disto mesmo que se trata, uma verdadeira (intenção de) exterminação! A pretexto de "segurança alimentar", a UE e o Estado querem regular o mínimo detalhe do que, como, quando e onde um cidadão pode comer ou beber. E o "exército" é bem nosso conhecido, a Direcção-Geral de Segurança (Alimentar e Económica). Ah, não é Direcção-Geral? Peço desculpa, mas parece!
António Barreto não o diz explicitamente, mas trata-se de uma exterminação a três níveis:
- O mais óbvio, o económico. Um dos objectivos é integrar a maior fatia possível da economia dentro do sistema fiscal. De modos que a Beijokeira já não pode ir a Beijós comprar galos, coelhos ou ovos às vizinhas, é proíbido! E trazer uns legumes da Fontanheira, talvez só "com guias". Enquanto alguns países procuram fazer reviver os mercados locais de produtos tradicionais, aqui extermina-se quem os poderia produzir e os "verdadeiros" produtos tradicionais têm obrigatoriamente de ser industriais!
- O segundo nível é o cultural. A foto que aqui deixo vai ser um verdadeiro monumento arqueológico. Vai ser muito difícil à geração do babete Beijós XXI acreditar que "antigamente" se criavam porcos com farinha moida pelo moleiro da aldeia, couves e os restos de comida lá de casa e das casas vizinhas, que agora se tornaram nos incómodos "resíduos orgânicos".
Segundo notícia do DB transcrita no Carregal Digital, formou-se em Cabanas a Confraria do Galo, que se dedica a comprar galos no leilão de oferendas dos Bombeiros e a comê-los de cabidela. Claro que o diligente exército haverá de por termo a esta afronta - primeiro, os galos só poderão ser leiloados na presença de um veterinário, depois terão de ser abatidos num matadouro oficial, e acabar-se-á pura e simplesmente por proibir estas oferendas em géneros.
É apenas um exemplo do que serão as consequências desta política no plano cultural. Outras já se estão a fazer sentir em todas as cidades, onde a DGS(AE) está a fechar todas as tabernas, tascas, casas de petiscos em geral, para se poder abrir crêperies, pizzerie, McDonald's e afins. É caricato os folhetos turísticos falarem do "ambiente único" desses estabelecimentos, das comidas e bebidas típicas, quando os turistas só poderão encontrar a mesma coisa que encontram em todo o mundo "civilizado". - Finalmente, há um objectivo político de exterminar a liberdade individual. O Estado e a UE não só sabem o que é bom para nós, como nos querem obrigar a fazer apenas o que é bom para nós!
Cozer broas num forno tradicional, de farinha feita em moinhos de água, a partir de milho não transgénico, amassada numa "insalubre" masseira de madeira! Isso é um quádruplo crime - os produtores vão acabar na prisão e os consumidores (principalmente aqueles que se vêem debaixo da parreira a dar cabo de uma bola de chouriça) vão ser obrigados a prestar serviço comunitário no intervalo das curas de desintoxicação numa clínica McDonald's.
Maior crime será um almoço de porco no espeto com arroz de feijão da Fontanheira cozinhado pela D. Rosa. Paciência, meus caros, o próximo convívio do Beijós XXI é a seco! A não ser que o trajecto da caminhada passe num McDrive...